Sábado, 07/07/1984. Início da BR-116, Via Dutra, Rio de Janeiro-RJ. E pensar que para esta viagem tínhamos apenas U$ l80,00 para passar cinco meses viajando de carona pelo sul do Brasil, Paraguai, Argentina, Chile e Peru. Superar o inverno nas Cordilheiras dos Andes, de até 20 graus negativos, com agasalhos para o inverno carioca. Realmente viajamos naquela época apenas com a "cara e coragem" e assim comprovamos que a felicidade não se compra, se conquista, que tudo é possível, basta querer.
Decidimos que não traçaríamos roteiros ou metas a serem seguidas. Começamos a viagem apenas com a certeza que estávamos indo para o sul, pegávamos carona sem a preocupação de onde e quando chegaríamos. Se víamos ou ouvíamos alguma coisa interessante sobre algum lugar, isso era o suficiente para desviarmos do curso que estávamos seguindo e assim viajamos literalmente "easy rider".
Na ocasião nem se cogitava a invenção de máquinas digitais e a nossa era muito limitada, sem contar que não tínhamos dinheiro para comprar filmes fotográficos, razão pela qual não temos muitas fotos para postar neste arquivo, sem contar que algumas deterioraram com o passar do tempo, mas as poucas que aí estão são o suficiente para que se tenha uma idéia do que foi aquela inesquecível viagem.
Ponte da Amizade, fronteira Brasil-Paraguai. Entramos no Paraguai e aproveitamos para comprar um walkman com fones para duas pessoas, o máximo de tecnologia para época, sendo que compramos com um "camelô" (camelô no Brasil é um tipo de vendedor ambulante não legalizado e que não oferece nenhuma garantia do que comercializa), foi um risco comprar o produto com um "camelô, afinal não era só um "camelô", era um "camelô paraguaio" me oferencendo um "walkman chinês", para complicar ainda mais aquele "camelô" era um rapaz com cerca de 25 anos que falava demais e que não parava de sorrir, sendo que aquele sorriso parecia dizer: "eu sou um golpista e vou tomar o seu dinheiro, mas o preço do walkman com ele era quase a metade do preço dos que eram vendidos nas lojas. Conferimos a mercadoria e, para nossa surpresa, o aparelho funcionou muito bem. Diante da nossa realidade financeira resolvemos arriscar, pagamos e fomos saindo quando aquele "camelô" me ofereceu maconha, ali ele se revelou ser mais que um "camelô paraguaio", ele era um "camelô paraguaio traficante", imediatamente respondi que não, mas ele com seu largo sorriso, insistiu dizendo que lá era tranquilo, que eu poderia fumar maconha a vontade que a polícia não me incomodaria. Respondi mais uma vez que não e, quando vi que ele continuaria insistindo, menti dizendo: "meu pai é policial federal, trabalha logo ali na fronteira." Pela primeira vez o sorriso sumiu e ele rapidamente disse: "não sou eu que vendo, apenas escutei falar que vendem, mas não sei quem e onde vendem". Aproveitamos para livrarmos daquela "figura" e fomos embora em paz.
Córdoba-Argentina. Juan Bautista Belis e seu Ford 1930 com o qual ele viajou na década de 70 até a cidade do Rio de Janeiro
Mônica na companhia de Francisco Calvo e sua família que nos receberam com muito carinho em sua casa. Mendoza-Argentina. Na ocasião assistimos naquela cidade a estréia do filme "Indiana Jones e o Templo da Perdição".
Detalhe na foto o walkman que ainda estava funcionando e perfeitamente. Neste parque fui abordado por argentinos que iriam jogar uma partida de futebol e, ao saberem que era brasileiro, me perguntaram se gostava de jogar futebol e em qual posição, respondi que sim e que jogava como centro avante, pronto foi a senha para me disputarem, nunca fui bom de bola, mas diante da disputa pelo "meu passe" me senti o "Pelé" e menti dizendo que era bom de bola, diante dessa resposta só faltaram sair na "porrada" pelo meu passe. Inicia o jogo e nada, meu time perdeu e não fiz nenhum gol. Agora quem tinha um sorriso largo era eu. Eles entenderam a gozação e levaram na esportiva.
Primeira visão das Cordilheiras dos Andes. Devido as proximidades das cordilheiras, o frio já era intenso e na manhã deste dia fiz uma fogueira para fazer um café e aproveitamos para nos aquecer um pouco, ocasião em que mônica, na tentativa de aquecer seus pés, acabou queimando um pouco a sola de seu tênis enquanto apoiava seus pés por sobre a fogueira.
Bariloche, Argentina. Nesta localidade colocamos em prática uma técnica para suportar melhor o frio com agasalhos brasileiros. Forramos praticamente todo nosso corpo com jornais. Jornais entre as meias. Calças de malhas sintéticas onde enrolávamos jornais por cima, fixávamos os jornais com meias calças para que os mesmos não caíssem e em seguida vestíamos calças jeans por cima. O mesmo fizemos no tronco e braços, conseguindo assim suportar muito bem o frio intenso nos dois dias de travessia das Cordilheiras doa Andes.
Cordilheiras dos Andes, travessia Bariloche-Argentina para Osorno-Chile, já no lado chileno. Foto retirada da janela de uma imensa carreta, um Mack americano com 30 toneladas de carga. Passamos noite anterior na fronteira Argentina-Chile, não armamos barraca e dormimos dentro da cabine da carreta, que tinha aquecimento, pois a temperatura externa chegou a 20º negativos e além disto policiais chilenos nos alertaram que existiam muitos pumas na região e que durante a noite aqueles grandes felinos aproximavam muito dos postos aduaneiros e, apesar de não existir relatos de ataques a seres humanos de pumas ali naquela localidade, talvez devido a grande movimentação de pessoas, fomos alertados para não dormirmos em barracas. Para ilustrar melhor o que falou, um dos policiais nos levou poucos metros atrás do prédio da aduana e ali nos mostrou imensas pegadas do felino na neve. Hoje encontramos a estrada muito boa, toda asfaltada, mas na época a estrada era muito ruim, de terra e estreita, na foto à direita uma parede de neve e gelo com quase dois metros de altura, à esquerda abismos. Na ocasião autoridades argentinas e chilenas pediam pelos meios de comunicação que evitassem a travessia das cordilheiras naquele rigoroso inverno, devido ao perigo de muitas avalanches que estavam ocorrendo, sendo que a travessia entre as cidades de Mendoza e Los Andes estava interditada, devido a uma avalanche que destruiu todo prédio da aduana chilena. Recordo que o motorista me explicou que teriam que fazer a viagem, em muitos trechos como este, em primeira marcha, para evitar perda de controle do veículo devido a muito gelo e lama na estrada, mesmo estando o pesado veículo equipado com correntes em todas as rodas, procurando com isto evitar um acidente e caírmos abismo abaixo. Diante desta narrativa respondi que distrairia minha mente curtindo o lindo visual à direita, formado pelas florestas forradas de neve montanha acima, ocasião em que aquele motorista joga um "balde de gelo na minha curtição", dizendo que aproveitasse e fosse rezando para não vir nenhuma avalanche.
Nós, o amigo Juan Martinez Provoste e seu cão "Pirulo Loco". Jamais esqueceremos o carinho com que ele e sua irmã Juana nos receberam em sua casa. La Calera-Chile.
Mônica com a família Ponce Bravo. Outra família que também nos recebeu com muito carinho, jamais esqueceremos o carinho que estas duas famílias, Ponce Bravo e Martinez Provoste, nos receberam. A cada um de vocês o nosso muito obrigado e uma certeza: te amamos muito. Hijuelas-Chile.
E Chegamos no Perú. Na foto ao lado eu, Mônica e as filhas do casal Chavez Berrios, Mariela e Claudia Berrios. Cidade de Tacna-Peru. Chegamos naquele país com a idéia fixa de ir para Machu Picchu, afinal pela obras arquitetônicas e pela localização geográfica, Machu Picchu é considerada Patrimônio Mundial e nós queríamos conhecer aquela cidade construída pelos incas, povo que construiu um império que se estendeu da Colômbia ao Chile, mas que teve seu centro em Cuzco-Perú, mas naquele ano de 1984, ouvíamos pelos meios de comunicação relatos de órgãos oficiais do governo peruano de que a guerrilha do Sendero Luminoso cresceu, espalhando pela selva e pelas periferias das cidades com enormes violações dos direitos humanos e grande número de mortes, por outro lado também escutávamos relatos que para o Sendero Luminoso, o Estado Peruano era ditadura de latifundiários feudais e grandes burgueses com apoio do imperialismo norte-americano. Esse Estado se sustentaria pela violênciae frente a esta, o povo, organizado em torno do Sendero, deveria responder na mesma moeda, através da violência. Na ocasião não existia internet e as informações eram muito limitadas, não sabíamos com certeza até onde aquelas informações e contra-informações eram verdadeiras e, se fossem, até onde havia exagero ou não, além disto não tínhamos recursos para pagar excurções ou guias para chegarmos de maneira rápida e segura até Machu Picchu, razão pela qual concluímos que seria um risco seguir de carona em direção a Machu Picchu, quando as únicas informações que tínhamos diziam que evitássemos viajar por aquela região. Foi decepcionante, mas tivemos que ser sensatos e não fomos para Machu Picchu. Agora, na nossa atual viagem, mais uma vez deixamos de ir a Machu Picchu, pois tivemos que interromper a viagem ainda no Chile e retornar para casa por causa dos problemas físicos de Mônica. Eu acredito que na vida nada é por acaso, tudo tem um por quê. Nosso momento vai chegar e chegaremos lá.
Mônica e Raul. Túnel Cristo Redentor, localizado no alto das cordilheiras dos andes, fronteira Chile-Argentina.
Mônica e Raul, Av San Martin, Mendoza-Argentina. Chegamos em Mendoza no final da tarde, Raul disse que iria dormir na casa de seus pais e ofereceu seu confortável apartamento para passarmos a noite. Aceitamos, mas fiquei incomodado, afinal nos conhecemos na manhã daquele dia e ele estava nos confiando o seu apartamento e só voltaria na manhã seguinte. Ele simplesmente disse que confiava, me entregou as chaves e foi ver seus familiares, voltando somente na manhã seguinte. Tomamos café juntos e seguimos viagem. Nunca vou esquecer isto, foi uma prova de amizade e confiança muito grande. Gostaria muito de revê-lo, mas não tivemos mais contato e não consegui localizá-lo pelo internet.